Pré-requisito: Nenhum.
Autor: Gustavo Spina
Depois de três semanas sozinho em uma casa abandonada e
parcialmente destruída, acredite em mim: nada o impede de sair nas ruas. Nada!
Especialmente quando não se come nada por três dias. O desespero foi maior.
Minha imaginação, de tudo o que poderia acontecer comigo se eu fosse visto e
reconhecido foi, ao longo do tempo, dando lugar a outros pensamentos, a outras
prioridades, à minha própria sobrevivência. Até que cheguei a uma conclusão: se
me capturassem, talvez eu sobreviveria, mas ali; com o frio cada dia mais
intenso e com o estoque de alimentos findado, eu com certeza morreria.
Só mesmo o instinto animal de sobrevivência para vencer meu
medo de ser encontrado. Atirei-me pela porta dos fundos. Já no meu segundo
passo fora daquela velha casa, meu coração disparou. Vi, de longe, uma mulher
vestida de amarelo. Só podia ser um deles!
Os pelos do meu corpo se arrepiaram, minhas pupilas dilataram e, com a claridade
do reflexo da luz do dia na neve que cobria quase tudo, fiquei completamente
cego. Não enxergar me deixou ainda mais nervoso, e isto tudo foi como uma bola
de neve até que meu sistema nervoso colapsou.
Bem, eu não entendo nada dessas coisas, meu campo de
conhecimento é completamente outro, mas esta foi mais ou menos a explicação que
aquela moça me deu quando acordei em uma cela e perguntei o que é que havia
acontecido comigo. Não que tenha tornado as coisas mais claras, afinal, eu
continuava sem saber onde estava, quem era ela, e porquê eu estava preso ali.
Mas só o que ela respondia para todas as outras perguntas, sempre com um
sorriso de satisfação no rosto, era: “aguarde um momento que tudo já lhe será
esclarecido”.
Estava meio zonzo. Sentia uma dor dos infernos na cabeça, devo
tê-la batido quando desmaiei na rua. Sentei-me no colchão duro e sujo que havia
atrás de mim, no qual havia acordado em cima, há alguns minutos. Não havia mais
nada naquele cubículo além daquele colchão e de mim. Aquela moça, que até então
havia me parecido bastante doce e muito contente, levantou-se e se esvaiu pelo
corredor, que ficava um pouco na diagonal da porta da cela, de modo que só pude
acompanhar seus movimentos até metade do caminho. Para ver onde aquele corredor
obscuro entregaria aquela moça tão simpática, eu teria de levantar, e meu corpo
doía muito para isto.
Continuei, portanto, apenas a mover meus olhos, passeando
com minhas pupilas por todos os lados, examinando cada centímetro à minha
volta. Você pode estar se perguntando o porquê eu não estou apavorado, afinal
acordei preso em uma cela sem informação nenhuma sobre nada, mas, confie em
mim; se eu estava vivo até agora, aquelas pessoas não poderiam ser inimigas. Se
algum deles tivesse me pego eu
provavelmente estaria sendo torturado. E, afinal, havia ali um colchão! Por
mais duro, sujo e velho que era, ainda assim era um colchão de verdade. Se não
me falha a memória, desde antes da revolução acontecer eu não deitava em uma
beleza dessas.
Continuei observando tudo, entretanto, a única coisa que
havia ali, além da sujeira e de duas baratas que passeavam pelo chão, era uma
chapa de metal, de mais ou menos trinta centímetros quadrados, embutida em uma
das paredes laterais da cela.
A moça não retornava, o silêncio cortava os ouvidos como uma
navalha. O cansaço voltou a me dominar e, sem perceber, caí no sono. Acordei
num pulo quando a chapa de metal se levantou, grunhindo um barulho estridente
de metais se arranhando. Uma bandeja com um prato de comida e um copo de água
deslizou pelo buraco e, antes mesmo de esboçar alguma reação, a chapa de metal
se abaixou, ecoando seu grunhido novamente pelas paredes sujas daquele calabouço.
Não demorei a comer e beber tudo o que haviam me dado. Mesmo
acostumado com a escassez que já durava anos, a fome e a sede me retorciam por
dentro. Passado mais algum tempo, a moça retorna. Ouvi seus passos, se
aproximando pelo mesmo corredor através do qual havia se esvaído mais cedo.
Porém, quanto mais alto era o som, mais era distinguível que haviam mais pessoas.
Será que era mesmo a moça? Aquele medo, que havia dado lugar à tranquilidade
nas últimas horas, se espalhou pelo meu corpo novamente.
Sentei-me no colchão, olhando para o corredor. A moça então
aparece, mas em vez daquela cena me tranquilizar, ela confirmou o que eu mais
temia: ela vestia um casaco amarelo. Como eu não pude perceber? Ela era a
menina que eu avistei de longe na rua antes de desmaiar! Ela era um deles!
“Ele está acordado, podem levá-lo”, disse ela, com o mesmo
sorriso de satisfação no rosto, que agora soou muito mais maligno do que das
primeiras vezes. Os sons de botinas marchando, quase que num sincronismo
perfeito, deu lugar à imagem de dois homens mal-encarados na porta da cela.
Colapsei novamente. Fui carregado pelos dois, sem maiores dificuldades, aos
berros, pela cela afora. Minhas pupilas se dilataram novamente. Pouco pude
enxergar do caminho através do qual me carregavam, sem poder saber se era o
mesmo corredor diagonal que partia da porta da cela. Mas em quê isso importava?
Não tinha mais forças para gritar. Fui posto sentado em uma
cadeira, meus pés e mãos foram atados firme, mas cuidadosamente a ela. Aos
poucos, minha situação foi voltando ao normal, minha respiração foi ficando
mais lenta, fui recuperando minha visão e a imagem de uma cadeira foi ficando
cada vez mais nítida na minha frente. Olhei ao meu redor, estava em uma sala
vazia, com apenas a minha cadeira e uma cadeira na minha frente. Os homens que
haviam me trazido e me posicionado ali, estavam um em cada canto da parede,
atrás de mim. Não havia janelas, apenas uma porta de ferro, com as quinas
enferrujadas, na parede ao meu lado esquerdo.
Era uma cena clássica de interrogatório, faltava apenas o
interrogador. Para completar o cenário, já começava a ouvir os passos de alguém
se aproximando pela porta, mas, contanto que tudo aquilo estava um tanto quanto
óbvio, nem em todo o tempo que passei temendo que este dia chegasse eu pude
imaginar quem é que entraria por aquela porta para me interrogar.
Meus olhos não acreditavam no que viam: Adam Walton, o maior
capitalista do século, estava à minha frente! Era ele mesmo, apesar de o ter
visto apenas pelos diversos meios midiáticos, não tinha como confundir – ele
fora o rosto mais evidente nos últimos anos, tão evidente quanto o meu. Sentou
na cadeira à minha frente e fitou-me durante alguns segundos. Eu fazia o mesmo,
enquanto minha mente tentava processar toda aquela informação. Ele vestia terno
e gravata, e deslizava em cima de dois sapatos de couro brilhantes. Como isso
era possível, nos dias de hoje? Como é que ele sabia que eu estava ali e onde
diabos seria aquele lugar, afinal? Minha cabeça estava à mil!
-Até que enfim estamos frente a frente. Cheguei a pensar que você seria capaz de fugir de mim durante a vida toda.
-Até que enfim estamos frente a frente. Cheguei a pensar que você seria capaz de fugir de mim durante a vida toda.
Com uma voz rouca e ligeiramente trêmula, respondi.
-Eu não fugi de você. Você não compareceu aos debates.
-Eu não estou falando
de antes da Grande Queda. Depois que sua revolução ruiu em migalhas, você se
escondeu como um rato por entre os escombros, por anos! Covarde!
-Mas não estou aqui
para te atacar, você já teve o que mereceu. Bem... ao menos uma boa parte.
Estou aqui para entender. Estou aqui para ouvir de você, toda a história por
trás disso tudo e dar meu toque final a esta história de terror.
-Então eu quero que
você me conte. Eu quero saber de cada detalhe, de tudo o que aconteceu nos
bastidores, onde os holofotes não iluminavam, e então, vou conseguir colocar nessa
sua cabeça vazia o porquê o resultado foi esse.
-Vamos! Comece! Eu
não tenho todo o tempo do mundo. Aliás, nós dois não temos muito tempo.
Minha mente não conseguia acompanhar a tudo aquilo acontecendo de uma só vez. Se fosse há alguns anos atrás, eu enfrentaria uma situação como esta com facilidade; mas hoje, meu cérebro já não era mais o mesmo. Não fui capaz de reagir de forma inteligente, questionar, entender e nem mesmo me recusar a fazer o que ele pedia. Fiquei apático e apenas segui sua ordem, como se estivesse atendendo a um pedido de um amigo de longa data.
-Está bem. Vou tentar detalhar ao máximo.
-Eu nasci em uma família pobre, assim como era 99% da população mundial,
graças ao seu querido sistema. Assistir aos meus pais darem suas vidas para
seus empregos e ainda assim termos apenas o mínimo para nossa sobrevivência,
durante toda minha infância, moldou minha cabeça com uma revolta latente contra
o que causava tudo aquilo.
-Durante minha adolescência, superei todas as dificuldades que me
cercavam por conta de minha classe social e me tornei um estudioso de tudo o
que permeava os grandes sistemas que governavam nosso mundo naquela época,
sobretudo o sistema capitalista e monetário. Me tornei um exímio estudante e
fui o destaque, não só de minha escola e de minha cidade, mas de todo meu país,
sendo nacionalmente conhecido.
-Comecei minhas fortes críticas ao sistema capitalista, ao mesmo tempo
que, por ter vindo debaixo, diferentemente de quase todo grande filósofo,
economista e escritor; eu escrevia, palestrava e divulgava o meu trabalho em
uma linguagem acessível e familiar a maior parte da população mundial. Talvez
tenha sido isto que deu tanta força às minhas ideias.
-Aos vinte e oito anos já viajava o mundo todo em conferências,
palestras, debates e workshops sobre o porquê o capitalismo deveria ser
destruído. Foi nesta época que nos conhecemos. A sede das pessoas por separar
tudo em dois lados acabou tornando-nos os principais rostos no cenário global:
o homem mais rico da atualidade contra o homem que mais odiava o dinheiro, o
capitalismo contra o não-capitalismo, o vermelho da revolução contra o amarelo
da moeda, eu contra você. A partir de então, você começou o seu jogo sujo, e eu
passei a não estar mais seguro em nenhum lugar do planeta.
-Ora, não despeje
acusações infundadas, por favor. Você acha que eu estava preocupado pensando em
que lugar você estaria a cada noite? Você realmente acha que eu era sozinho,
que eu planejava e ordenava tudo? Não seja tolo.
- Eu estou sendo tolo? Eu sei que não era só você, mas da mesma forma
que você não estava sozinho, eu também não estava! De que adiantaria me matar?
Hein?!
-Você estudou muito,
mas se esqueceu de estudar a forma como as pessoas pensam. Eu sei muito bem que
você não era sozinho, mas você era o representante, a figura que simbolizava
toda aquela ideia. Com você morto, tudo morria junto, na cabeça das pessoas! Ainda
que seus aliados quisessem continuar suas ideias, tudo perderia força e o
capitalismo não estaria mais ameaçado. É assim que sempre funcionou, e que
conseguimos manter nossa hegemonia por tanto tempo.
-A ideologia de vocês é realmente inescrupulosa! Eu jamais pensei em te
matar! Já não basta a vida dos milhares de pessoas que seu sistema maldito
matava de fome todos os dias?!
-Basta! Me poupe do
seu moralismo barato. Continue sua história ridícula porque estou ansioso para
esfregar seus erros na sua cara. Ande logo! Continue!
-Os anos seguintes que passei escondido, com medo de ser morto por
algum verme endinheirado como você, foram justamente os anos que me asseguraram
a vitória. Este foi o seu erro! Sem comparecer a eventos, fazendo apenas vídeos
para a internet que comprovavam que eu estava vivo e que deixavam aqueles que
também queriam o fim do capitalismo ainda mais fervorosos, me sobrou muito mais
tempo para estudar de que forma poderíamos derrubar de uma vez por todas este
reinado de séculos. E enfim chegávamos a 2043! Eu nunca vou me esquecer daquele
ano. Os rumores de uma nova crise no mercado imobiliário dos Estados Unidos,
que vinham criando um medo global há dois anos, por fim se tornaram realidade.
-Mas, desta vez, havia um elemento que os bancos não esperavam, não é
mesmo? Após o estouro da bolha, que desta vez já nasceu muito maior que a de
2007, a própria população interferiu, justamente quando os bancos já iniciavam
seus planos de recuperação mútua. Sob minha liderança, milhões de pessoas
sacavam dinheiro de seus bancos, todos ao mesmo tempo. Foi a minha manobra
monetária contra a sua e, com isto, ficou impossível a recuperação do sistema
todo. Com a economia dos EUA quebrada de uma forma como nunca havia acontecido
antes, a economia internacional foi gravemente afetada, e isto encorajou países
rivais a arriscar tudo para consolidar o que seria o fim do império
norte-americano.
-O que se iniciou com quatro países em guerra, se multiplicou para
dezoito em seis meses. O colapso econômico culminou em guerras civis em quase
todos os países do ocidente. A existência da ONU já era em vão, e em mais
alguns meses, nem mesmo as fronteiras entre um país e outro fazia sentido. A
revolução foi mais rápida que eu imaginei, confesso. Eu sonhei minha vida toda
com os dias em que derrubaríamos o capitalismo, e eu sabia que haveria muito
sangue derramado, mas aquilo foi assustador. O pouco que conseguíamos saber por
mídias alternativas era que a população mundial havia decrescido dois terços –
fenômeno assustador que ficou conhecido como A Grande Queda. Não tive tempo nem ao menos de tentar liderar
qualquer parcela que fosse do levante, no país em que eu estava na época. Assim
que o mundo se cobriu numa cadeia de guerras, eu já havia me tornado o
principal vilão. Meu rosto continuava sendo o mais popular daquilo que restava
do mundo, mas, desta vez, eu era o causador de tudo aquilo, eu era o homem mais
odiado da face da Terra.
-Era? Ainda é! Você
fala como se tivesse passado muito tempo, desde então. Eu não sei se você ainda
consegue raciocinar, no estado deplorável que você se encontra, mas nós estamos
no dia 4 de abril de 2046!
-Passaram-se apenas
três anos desde que você organizou aquele motim financeiro vergonhoso. E agora,
você está feliz com seu resultado? Era isso que você queria? Um mundo inteiro
completamente destruído, com as pessoas morrendo de fome?
-Quem é você para falar que as pessoas estão morrendo de fome? Agora você
se importa com elas? O mundo não era tão diferente do que está agora, com o seu
culto ao Dólar!
-Mas, se é isso o que você quer ouvir, eu digo: NÃO! Eu não estou feliz!
Não era isso o que eu queria. Eu não sei o que aconteceu! Eu passei a minha
vida inteira pensando em como mudar tudo, em como tornar o mundo um lugar
melhor, sem toda aquela desigualdade social, sem má distribuição de renda, sem
a existência do dinheiro! E eu consegui! Eu fiz o impossível, eu destruí o
capitalismo! Onde foi que eu errei?
-Imbecil. Imbecil!
Mil vezes imbecil! Como pode ser tão burro? Ao menos sua burrice está me
proporcionando justamente o que eu queria quando te encontrasse: esfregar seu
erro na sua cara, para você passar o que resta de sua existência miserável no
mundo que você deixou para si mesmo pensando como foi que você não percebeu!
Clap! Clap! Clap! Clap!
Clap! Clap! Clap! Clap!
Neste momento ele levantou-se da cadeira e começou a me
rodear, enquanto batia palmas.
-Parabéns! Você realmente conseguiu fazer o impossível! Você destruiu o capitalismo. Você passou sua vida inteira planejando como faria isso, como faria sua porcaria de revolução; você só se esqueceu de pensar em uma coisa: A SUCESSÃO.
-Parabéns! Você realmente conseguiu fazer o impossível! Você destruiu o capitalismo. Você passou sua vida inteira planejando como faria isso, como faria sua porcaria de revolução; você só se esqueceu de pensar em uma coisa: A SUCESSÃO.
-E depois? Depois de
derrubar o capitalismo, o que é que você colocaria no lugar? Isso realmente
nunca passou pela sua cabeça?
-De que adianta
retirar do poder um rei, se você não tem ninguém para colocar no lugar dele? De
que adianta retirar do poder um presidente, se os outros candidatos estão
dentro do mesmo sistema, e têm as mesmas características que têm todo político?
De que adianta retirar da sociedade o sistema capitalista se você não tem nada
para colocar no lugar?
-Por quê você acha
que o socialismo não deu certo? O fracasso do socialismo, em cada uma de suas
pífias tentativas práticas, é deveras parecido com o seu. Tirar o capitalismo
para colocar uma porcaria de sistema tão falho quanto, em um local específico
dentro de um mundo predominantemente capitalista? Isso não soa como uma piada
para você? É claro que nunca daria certo. Mas, ainda assim, eles tinham algo
para colocar no lugar, certo?
A sala foi tomada por uma gargalhada um tanto quanto
forçada.
-Seu objetivo era
apenas destruir, mas após a destruição, vem a reconstrução, vem a sucessão – e
esta, meu caro, é a principal parte de uma revolução!
Ao ouvir tudo aquilo que ele dizia, meus pensamentos foram
longe. Meu olhar ficou vago. Olhava para aquele rosto com expressões vívidas e
ameaçadoras, mas via a mim mesmo. Via toda minha vida como um filme passando
diante dos meus olhos. Todos aqueles anos estudando. O turbilhão de
acontecimentos e polêmicas que tive inserido todos esses anos. Tudo aquilo por
que passei e tudo aquilo que consegui. Para nada! Para culminar em um resultado
ainda pior do que era antes. E tudo aquilo por tão pouco. Por um erro bobo. Como
não pensei nisso? Como não pensei no que fazer depois?
Fui atingido por um leve tapa na cara.
-Você está ouvindo o
que eu estou dizendo? Eu te fiz uma pergunta! Você sabe o que vai acontecer
agora?
-Não. Ninguém sabe o que vai acontecer agora.
Adam tornou a soltar uma gargalhada.
-É aí que você se
engana. Só porque você é um imbecil, não significa que todas as outras pessoas também
o são. Mas não quero estender muito mais esta conversa, a hora já está
chegando.
-A hora para que?!
-Você já vai saber.
Vou finalizar o que tenho para te dizer e, em dezoito minutos, vamos para o grand finale!
-Ao contrário de
você, eu pensei na sucessão. Desde que você conseguiu arrancar o capitalismo do
mundo eu tenho moldado a ideia de como vamos recuperá-lo. Assim como meu erro
garantiu sua vitória, o seu também garantiu a minha. Durante estes três anos,
em vez de me esconder nos escombros como você, eu mantive contato com os
principais líderes mundiais que conseguiram se manter vivos. Nossas conversas
foram muito satisfatórias! Se tivéssemos mais tempo, adoraria te mostrar nosso
planejamento detalhado para os próximos anos, vai ser histórico! Será mais
grandioso do que os acordos de Bretton Woods em 1944! Meu sobrenome vai permanecer
nos livros de história por muito tempo, não só como o sobrenome da família mais
poderosa do século, mas também como o nome da ascensão do capitalismo ao mundo
todo!
-Na verdade, tudo
sempre esteve planejado caso alguém como você um dia conseguisse seu glorioso
feito. Eu só estive ajeitando os detalhes e tudo já está prontinho há algum
tempo, só faltava um pequeno elemento: você! É chegado o momento!
-Homens, por favor, executar
o procedimento! Esta conversa está terminada.
Sem dizer mais nada, ele se afastou em direção à porta e saiu da sala. Os dois homens que estavam nos cantos de trás da sala desde o início da conversa se aproximaram, e logo entraram duas moças, vestidas de branco. Eram enfermeiras, e me aplicaram uma injeção no meu braço direito.
Sem dizer mais nada, ele se afastou em direção à porta e saiu da sala. Os dois homens que estavam nos cantos de trás da sala desde o início da conversa se aproximaram, e logo entraram duas moças, vestidas de branco. Eram enfermeiras, e me aplicaram uma injeção no meu braço direito.
O pavor tornou a tomar conta do meu corpo, mas, desta vez,
meu coração não acelerou e minhas pupilas não dilataram. Devia ser este o exato
motivo daquela injeção: impedir meu sistema nervoso de colapsar e não me deixar
ver a tudo o que aconteceria comigo nos momentos seguintes. Me sentia mole, sem
forças. Os homens me desataram da cadeira e me carregaram pelos braços por
entre os corredores daquele labirinto sujo e vazio. Meus pés trepidavam
levemente conforme passavam por cima das pequenas concentrações de pedrinhas e
areia que haviam pelo chão.
Um clarão invadiu minha vista. Estávamos ao ar livre. Um
barulho intenso de vozes se intensificou, característico de uma multidão que
estava tendo, finalmente, o que esperavam: a mim. Os homens me viraram e pude
ver, do alto de uma ribanceira, uma plateia de milhares de pessoas que
comemoravam ao me ver. Eu estava na ponta daquele barranco, abaixo de uma
enorme estrutura de madeira. Ao meu lado esquerdo, Adam vestia um terno inteiro
amarelo, que se completava com uma cartola em sua cabeça. Ele estava realmente
decidido a voltar às origens do capitalismo. Com um microfone ligado à enormes
caixas de som, ele começou a falar.
-Senhoras e senhores,
conforme prometido, apresento a vocês o espetáculo do começo de uma nova era! A
reconstrução do mundo como conhecíamos antes, o recomeço do capitalismo, o fim
da Grande Queda!
O barulho das pessoas alvoroçadas, como ao ouvir sua música
preferida em um show de rock, era
ensurdecedor.
-Como vocês sabem,
todo recomeço vem após algum final, e o final de hoje vocês já sabem qual é,
não sabem? O começo desta nova se inicia após o fim dele!
Ao dizer isto, ele apontou para mim.
-Homens, deem a este
homem o final que ele merece!
Neste momento, aqueles homens que ainda me seguravam pelos
braços amarraram minhas mãos uma à outra, e envolveram meu pescoço em uma corda
grossa que descia devagar da estrutura de madeira. Era uma forca. Eles iam me
enforcar diante de milhares de pessoas, que provavelmente só estavam ali para
assistir à minha morte.
Com um sorriso no rosto, e muito entusiasmo, Adam veio até
mim e disse: “Obrigado!”. Voltou ao microfone.
-Quero ouvir todos
vocês em uma contagem regressiva, junto comigo.
-Cinco!
Não conseguia nem ao menos chorar. Estava fortemente dopado.
-Quatro!
Será que eu realmente merecia aquilo?
-Três!
No meio da multidão começou a se desenrolar uma enorme
bandeira, com aquilo que deveria ser o nome daquela nova revolução comandada
por Adam.
-Dois!
Engoli a seco, esperando a morte. Parece que Adam teve
realmente o que queria, pois na minha mente ecoava, em loop eterno, a pergunta:
“Como é que eu não pensei nisso?”.
-Um!
Meu corpo inteiro se gelou. Senti um forte empurrão que me
jogou do alto daquela ribanceira, direto para a morte. Meu corpo caía em câmera
lenta. Já em queda, fiz a última coisa em vida: terminei de ler o que estava
escrito na bandeira, que agora já havia se desenrolado por completo. Ele nomeou
a revolução dele, com uma frase minha em um dos meus livros. Estava escrito “O OUTRO LADO DA MOEDA”.
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