Pré-requisito: Nenhum.
Autor: Gustavo Spina
As religiões são sistemas de crenças mutuamente excludentes. Isso
significa que, cada uma delas possui um grupo de afirmações que, para quem
nelas acredita, são absolutamente incontestáveis, ao mesmo tempo em que cada um
destes grupos de afirmações guia seus seguidores para um caminho único, que
leva a uma verdade única. Desta forma, sendo a verdade uma só, se alguma
religião realmente tem um conjunto de afirmações que leva à esta verdade,
então, necessariamente, todas as outras estão erradas, daí o fato de serem sistemas
de crenças mutuamente excludentes: a partir do momento em que uma está correta,
todas as outras estão erradas. É sobre esta ideia que discutiremos brevemente
neste texto.
A primeira pergunta que nos vem à mente é: qual delas, então, é a
única correta? Uma forma de tentarmos responder a esta questão é perguntarmos
para ao menos um integrante de cada religião que existe qual delas é a correta.
Entretanto nem precisamos fazer isto para sabermos as respostas que darão cada
um deles: o cristão ortodoxo dirá que é o cristianismo ortodoxo, o judaísta
messiânico, dirá que é o judaísmo messiânico, os umbandistas dirão que é a
umbanda, e assim por diante, em cada uma das aproximadamente 4200 religiões
diferentes que existem no planeta. [1]
Sendo assim, para tentarmos responder a esta pergunta precisamos
então, já que cada grupo de seguidor tem a mesma certeza sobre sua crença de
que ela é a única correta, enquanto todas as outras estão erradas, racionalizar
sobre cada grupo de afirmações para saber qual mais faz sentido e, portanto,
têm a maior probabilidade de ser o único correto. Mas, novamente, nem ao menos
podemos começar a fazer isto, pois esta análise simplesmente não faz sentido.
Vejamos.
Cada um de todos estes sistemas de crenças não são suportados
apenas por argumentos racionais, mas grande parte pela fé que pode ser definida
como “a adesão de forma incondicional a
uma hipótese que a pessoa passa a considerar como sendo uma verdade sem
qualquer tipo de prova ou critério objetivo de verificação, pela absoluta
confiança que se deposita nesta ideia ou fonte de transmissão”. Sendo assim,
não podemos utilizar um critério racional, filosófico ou científico por
exemplo, para arbitrar sobre qual religião faz mais ou menos sentido, pois o
próprio método racional é descartado por cada um destes mesmos sistemas de
crenças.
Outra importante conclusão a qual podemos chegar é que, uma vez
que todo e qualquer sistema de crença religioso utiliza da fé para validar ou
suportar suas afirmações, todas elas passam a ser igualmente válidas, e isto
significa que têm uma mesma probabilidade de estarem corretas. Em outras
palavras, uma vez que a fé se caracteriza como acreditar em uma ideia na
ausência de qualquer tipo de prova ou critério objetivo de verificação, como
vimos na definição dada anteriormente, não há religião mais correta ou mais
errada, que faça menos ou mais sentido, que seja menos ou mais ridícula e
tampouco que seja mais ou menos provável de ser a única verdadeira, pois o
próprio fato de julgar qualquer crença como absurda ou infame é racionalizar
sobre algo não racional, o que é incompatível tanto com a crença que estivermos
julgando, quanto com a nossa própria, se tivermos uma.
Concluímos então, dos três últimos parágrafos, que todas as
religiões têm, necessariamente, a mesma probabilidade de ser a única detentora
do conjunto de afirmações, premissas e regras que levam ao único caminho que
leva à única verdade existente. A partir desta conclusão, não teríamos mais
muita dificuldade para realizar um cálculo matemático que nos daria a exata
probabilidade que cada religião tem de ser a correta, se não fosse por um
pequeno detalhe: as particularidades pessoais de interpretação.
Não precisamos ser estudiosos de longa data da história da
religião para podermos constatar, com propriedade que, por mais rígidas e
imutáveis que sejam as afirmações de cada religião, elas são quase que
puramente interpretativas. É até intuitivo que ideias carentes de evidências,
suportadas, portanto, pela fé, tenham um caráter interpretativo muito grande. Para
ilustrarmos esta ideia, vamos imaginar três cristãos, adeptos da mesma
sub-religião denominada como catolicismo, dentro de uma sala, sendo expostos a
uma quantidade considerável de questionamentos quanto às suas crenças. Não é
difícil concordarmos que em um número de respostas diferente de zero todos os
três responderão de forma completamente diferente. E, se postos frente-a-frente
em um debate para chegarem a um consenso, cada um dos três argumentará
defendendo sua resposta, utilizando de outras ideias pertencentes ao
catolicismo, convicto de que sua resposta é a correta, da mesma forma que os
três são convictos de que o catolicismo é a opção mais correta dentro do
cristianismo, e que o cristianismo é a religião mais correta entre todas as
outras milhares de opções.
Extrapolando este fato para todas as religiões, chegamos à
conclusão de que as aproximadamente 4200 religiões se subdividem em
particularidades pessoais de interpretação, se subdividindo e crescendo para um
sistema religioso particular e único dentro de cada indivíduo seguidor de um
destes sistemas de crenças, que totalizaria então aproximadamente 5,8 bilhões
de diferentes caminhos à verdade – uma para cada pessoa religiosa no mundo. [2]
Se considerarmos que, mesmo que absurdamente raros, haverão alguns
casos em que duas ou mais pessoas concordarão em todas as questões possíveis de
serem feitas sobre suas crenças, e para simplificarmos o cálculo, vamos
considerar o número de cinco bilhões para calcularmos a probabilidade que cada
pessoa religiosa no mundo tem de estar correta.
A probabilidade de ser o único correto em cinco bilhões de
possibilidades é igual a um dividido por cinco bilhões:
1/5.000.000.000 = 0,0000000002 = 0,00000002%
Chegamos a uma probabilidade de dois, oito casas após a vírgula,
por cento. E isto, desconsiderando todas as possibilidades de todas as pessoas
religiosas que já morreram em toda a história da humanidade, e desconsiderando
também as possibilidades de nenhuma das religiões estarem corretas, ou de ser
um sistema de crenças diferente de qualquer um dos que existe.
Enfim, esta é a loteria da religião, e se mesmo assim você continua
convicto de que sua crença pessoal é de fato a única correta, eu sugiro que
você aposte em uma outra loteria. A probabilidade de ganharmos na mega-sena,
maior e mais famosa loteria do Brasil, fazendo um jogo de seis dezenas é de 0,000002%
[3], uma probabilidade cem vezes maior do que a de sua crença ser a única
correta. Com a sua sorte, tenho certeza que ficar milionário não vai ser nada
difícil!
Estes foram meus 10
centavos acerca do relativismo religioso.
[1] - https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_religions_and_spiritual_traditions
Acesso em: 28/06/2018
[2] - http://www.pewforum.org/2012/12/18/global-religious-landscape-exec/
Acesso em: 28/06/2018
[3] - https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/matematica/probabilidade-na-loteria.htm
Acesso em: 28/06/2018
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