quarta-feira, 23 de maio de 2018

A Sociedade do Outro Lado 1 - Expandindo nosso horizonte de possibilidades

Pré-requisito (obrigatório): O Outro Lado dos Sistemas 6

Autor: Gustavo Spina

Tudo aquilo que discutimos desde o primeiro texto deste blog pertence a nossa atual sociedade, e à forma pela qual chegamos a ela. Pincelamos, certa vez, o fato de que esta configuração social, com toda a sua riqueza de características e consequências as quais concluímos que não há como escapar, não é a única possível; mas este fato é tão importante que não deve escapar de uma análise mais aprofundada. Nossa atual sociedade é extremamente diversificada contendo um horizonte de possibilidades, que Yuval Harari descreve como “todo o espectro de crenças, práticas e experiências que se apresentam diante de determinada sociedade, considerando suas limitações ecológicas, tecnológicas e culturais”, em seu fantástico livro Sapiens – Uma breve história da humanidade. Nesta terceira e última série de textos, vamos explorar outras configurações sociais, desenvolver outros sistemas que poderiam (ou poderão) governar o mundo, totalmente diferentes dos que exploramos na série de textos passada; ir além de tudo o que já criamos: vamos trabalhar arduamente na expansão do nosso grande e desajeitado horizonte de possibilidades.

Uma vez tendo explorado por completo o “problema”, não há outra coisa a fazer senão explorar sua possível solução, mesmo quando se chega à conclusão de que ela não é possível; e isso não é uma contradição. Vamos analisar melhor. A conclusão que chegamos no texto passado se baseia na ideia de que, de acordo com tudo o que discutimos até aqui, a magnitude da revolução, seja ela de qual natureza for, necessária para modificar os atuais sistemas que governam o mundo deve ser tão grande, mas tão grande, que a probabilidade de que ela ocorra tende a zero e, portanto, se torna impraticável. No entanto, não é prudente extrapolar esta afirmação para um futuro muito distante. Em outras palavras, por mais sólidos que sejam nossos argumentos, eles não se sustentam ao imaginarmos o futuro, sobretudo em um cenário mundial com ameaças corriqueiras de guerras nucleares e de cada vez mais rapidez no desenvolvimento tecnológico como nossa atualidade.

Sendo assim, não podemos afirmar que esta impossibilidade de uma mudança em escala global significativa será a mesma nos próximos séculos ou milênios e, dessa forma, devemos, sim, alocar parte de nossos esforços na solução do atual problema, que tem uma probabilidade diferente de zero de poder ser efetivamente aplicada em um futuro não tão próximo. Se um dia esta mudança tornar-se possível, em nada será útil se aqueles que a efetivarem não souberem para onde ir, que outros caminhos seguirem e que novos sistemas construírem para que, desta vez, se sustente uma sociedade que se aproxime da ideal. E mais ainda: a própria ideação de novos caminhos a serem seguidos pode, através do estímulo das mentes brilhantes, visionárias e revolucionárias com que essas ideias possam entrar em contato, nos dizer como fazer para possibilitarmos esta transição na prática.

Portanto, iniciaremos agora uma série de quebra de paradigmas e exploração de novas ideias para construir aquilo que, ao terminarmos, possamos chamar de “a sociedade do outro lado”, do outro lado da história, o lado que ainda não conhecemos e que provavelmente não viveremos, mas que podemos desde agora ajudar a desenvolver.

Antes de descobrir quais são os primeiros tijolos de nossa construção, neste texto, temos de preparar nossos cérebros. Comecemos então com a elaboração de um novo modelo mental, um novo mindset.

Um modelo mental pode ser definido como um “mecanismo do pensamento mediante o qual um ser humano, ou outro animal, tenta explicar como funciona o mundo real”. O modelo mental que, em geral, temos em nossas cabeças atualmente é montado ao longo de nossas vidas, e é intrinsecamente ligado aos sistemas que compõem o mundo de hoje, e que tratamos nos textos da série de textos anterior a esta – O Outro Lado dos Sistemas.

Como exemplo de ideias integrantes de nosso mindset comum atual, vale a pena lembrar de duas características dos atuais sistemas, que já evidenciamos no texto A cega inserção: a falsa impressão de naturalidade e a necessidade de existência destes sistemas. Estas duas ideias, que podemos relembrar suas descrições simplificadamente como a falsa impressão que temos de que os sistemas que regem as sociedades de hoje são consequências de fatores naturais e que devem, necessariamente, existir, como se fossem parte integrante do processo evolutivo de nossa espécie e que sem eles não haveriam outras possibilidades; já foram desmistificadas e descartadas. Ambos os paradigmas citados já foram quebrados ao longo de nossas discussões, mas eles são apenas dois exemplos, uma pequena parte de um todo muito maior, de um modelo mental cheio de ideias deturpadas completamente dependentes das atuais configurações sociais.

Dado o que acabamos de evidenciar, fica fácil perceber que se mantivermos nosso mindset atual, quando pensarmos em alternativas, sobretudo na construção de uma configuração social totalmente nova, entraremos em constantes conflitos internos em nossas cabeças. Por exemplo, ao tentamos imaginar uma sociedade sem a existência de dinheiro, esbarraremos em nossa ideia de que uma sociedade não é nem ao menos possível sem a existência de uma moeda, ou ainda ao tentarmos imaginar uma sociedade sem diferenciação territorial e étnica, esbarraremos em nossa ideia de que é impossível governar um mundo inteiro, sem dividi-lo em países, estados, cidades, municípios e etnias. E assim por diante. Mas devemos perceber que estes conflitos acontecem apenas porquê nosso modelo mental é, em grande parte, formado pelos sistemas atuais, e que devido a isto sempre causará contradições internas ao pensarmos em sistemas completamente diferentes! A atual sociedade, sim, é impossível sem a existência de uma moeda, mas quem é que disse que uma outra sociedade deve seguir a mesma lógica de comércio, compra, venda, lucro e mercado? A atual configuração social global, sim, é impossível de ser governada sem uma divisão do planeta em países, estados, cidades, municípios e etnias, mas quem é que disse que a forma de governo em outras configurações sociais serão as mesmas? Em ambos os casos podemos imaginar e criar lógicas completamente diferentes de economias e governos, ou mesmo criar uma estrutura onde estas características não precisem nem ao menos existir.

Com isto, o que desejo concluir nesta primeira parte do texto é que para desenvolvermos juntos um novo modelo social devemos, primeiramente, abandonar nosso atual modelo mental, devemos inibir os pensamentos provenientes dele, devemos ignorar a estranheza, a negação instantânea e os conflitos internos que nossa mente nos proporcionará quando tivermos contato com diversas ideias novas e completamente diferentes, pois estes pensamentos nem ao menos fazem sentido neste novo mindset que estaremos construindo. Ao longo desta série de textos, estaremos constantemente praticando estes exercícios mentais, sempre reiterando que devemos separar nossas novas ideias, nosso novo modelo mental de nosso modelo mental atual.

Prosseguindo, vamos finalizar este texto introdutório respondendo a uma importantíssima questão que pode muito bem ser feita por nós mesmos, neste ponto da discussão: onde é que queremos chegar? Vamos alinhar, com grande clareza, qual exatamente é nosso objetivo, a finalidade de toda esta discussão, para que possamos nos certificar, a cada linha escrita, que estamos seguindo no caminho certo e, ao final, sabermos que concluímos exatamente o que queríamos desde o começo.

No início deste texto explicitamos a enorme importância de sabermos o que fazer quando conseguirmos transcender as atuais configurações sociais, se é que isto vai acontecer um dia, e isto nos serviu de justificativa para que trabalhemos então no desenvolvimento de uma ou mais configurações sociais alternativas. No entanto, neste momento este desenvolvimento está apenas se iniciando, portanto devemos explicitar aqui também a enorme importância de sabermos qual é o objetivo desta nova configuração social, e isto nos dará o direcionamento para o nosso desenvolvimento de cada uma das partes que comporão nossa sociedade.

Vale a pena ressaltar que o fato de podermos realizar este questionamento, definir um objetivo e construir uma configuração social global por meio de discussões e uso orquestrado do intelecto e conhecimento humano é algo completamente inovador e diferente de tudo o que já ocorreu em nossa história. A construção da atual configuração social global e de suas antecessoras, bem como de cada um dos sistemas muito bem estabelecidos que a compõe, não foram feitas dessa forma, mas foram sendo construídas de forma orgânica.

Em outras palavras, o rumo que as sociedades humanas tomaram, resultando no cenário global atual, foram definidos, em sua maioria, por condições ambientais, tecnológicas e até mesmo influenciado pelas doenças que por vezes assolaram a raça humana; jamais de forma planejada, pensada e desenvolvida de modo a atingir um dado objetivo. Isto nos diz muito do porquê, apesar de funcionarem, os atuais sistemas deram tão errado em tantos aspectos, e nos motiva a aproveitar esta oportunidade para conseguir, de fato, desenvolver algo diferenciado e bastante superior.

Então qual é o nosso objetivo? Construiremos uma nova configuração social com que propósito? O que queremos proporcionar, e a quem queremos proporcionar isto, com esta construção? Definiremos nosso objetivo como: construir uma configuração social global que proporcione o mais elevado nível possível de felicidade para todos os seres sencientes (capazes de sentir).

Para não desvirtuar o assunto do texto, e nem alonga-lo demais, não entraremos a fundo aqui nas questões filosóficas inerentes a afirmação feita. Para um maior detalhamento do conceito de sentir, do conceito de felicidade e como quantifica-la, o leitor mais curioso deve recorrer ao espetacular livro “Genismo”, do filósofo brasileiro João Carlos Holland de Barcellos – Jocax – a quem tenho o prazer de ter como amigo, onde desenvolveu e discorreu detalhadamente sobre estes e muitos outros conceitos filosóficos.

Por fim, iniciamos nossa discussão reconhecendo a importância da existência de configurações sociais alternativas que têm uma probabilidade diferente de zero de serem utilizadas no futuro. Em seguida, reconhecemos a importância de se traçar um objetivo que norteasse todo o desenvolvimento dessas novas ideias e enfim o definimos. Sabemos agora que, com este objetivo alcançado, teremos então desenvolvido uma sociedade que proporcionará, em todos os seus aspectos, o maior nível possível de felicidade para todos os seres humanos e os animais que tem consciência e que, portanto, são capazes de sentir.

No próximo texto, começaremos a construir, tijolo a tijolo, esta que, longe de alcançar a inalcançável perfeição, será uma sociedade que se aproxima ao máximo de uma sociedade ideal, uma configuração global que minimiza ao máximo o sofrimento de todos os seres capazes de sofrer e que maximiza ao máximo a felicidade de todos os seres capazes de senti-la. Iniciaremos juntos, abandonando nosso atual mindset e fazendo o uso de um modelo mental completamente novo, a árdua construção da sociedade do outro lado, do outro lado da história, de um futuro que talvez um dia exista, e possa dar lugar à sociedade do OUTRO LADO DA MOEDA.

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