sábado, 3 de março de 2018

O Outro Lado da Música 1 - Pátria que me pariu - Gabriel, O Pensador

(4x)Pátria que me pariu!
Quem foi a Pátria que me pariu!?

Uma prostituta, chamada Brasil se esqueceu de tomar a pílula,
e a barriga cresceu.
Um bebê não estava nos planos dessa pobre meretriz de dezessete anos.
Um aborto era uma fortuna e ela sem dinheiro
Teve que tentar fazer um aborto caseiro.
Tomou remédio, tomou cachaça, tomou purgante
Mas a gravidez era cada vez mais flagrante.
Aquele filho era pior que uma lombriga
E ela pediu prum mendigo esmurrar sua barriga.
E a cada chute que levava o moleque revidava lá de dentro
Aprendeu a ser um feto violento.
Um feto forte escapou da morte
Não se sabe se foi muito azar ou muita sorte
Mas nove meses depois foi encontrado, com fome e com frio,
Abandonado num terreno baldio.

(4x)Pátria que me pariu!
Quem foi a pátria que me pariu!?

A criança é a cara dos pais mas não tem pai nem mãe
Então qual é a cara da criança?
A cara do perdão ou da vingança?
Será a cara do desespero ou da esperança?
Num futuro melhor, um emprego, um lar
Sinal vermelho, não da tempo pra sonhar
Vendendo bala, chiclete...
"Num fecha o vidro que eu num sou pivete
Eu não vou virar ladrão se você me der um leite, um pão, um vídeo game e uma televisão, uma chuteira e uma camisa do mengão.
Pra eu jogar na seleção, que nem o Ronaldinho
Vou pra copa, vou pra Europa..."
Coitadinho!
Acorda moleque! Cê num tem futuro!
Seu time não tem nada a perder
E o jogo é duro! Você não tem defesa, então ataca!
Pra não sair de maca!
Chega de bancar o babaca!
Eu não aguento mais dar murro em ponta de faca
E tudo o que eu tenho é uma faca na mão
Agora eu quero o queijo. Cadê?
cansado de apanhar. na hora de bater!

(4x)Pátria que me pariu!
Quem foi a pátria que me pariu!?

Mostra tua cara, moleque! Devia tá na escola
Mas cheirando cola, fumando um beck
Vendendo brizola e crack
Nunca joga bola mais sempre no ataque
Pistola na mão, moleque sangue bom
É melhor correr porque lá vem o camburão
É matar ou morrer! São quatro contra um!
Eu me rendo! Bum! Clá! Clá! Bum! Bum! Bum!
Boi ,boi, boi da cara preta pega essa criança com um tiro de escopeta
Calibre doze na cara do Brasil
Idade 14, estado civil morto
Demorou, mas a pátria mãe gentil conseguiu realizar o aborto.

(4x)Pátria que me pariu
Quem foi a Pátria que me pariu?

O povo brasileiro, entre muitas outras icônicas características, tem a incrível capacidade de crer apaixonadamente em contradições. E não estou falando das maiores e mais complicadas contradições que o ser humano insiste em acreditar, como crer ao mesmo tempo em um Deus onisciente e onipotente e em um Demônio autônomo; são contradições ainda mais simples de se identificar.

Por aqui, as pessoas que frequentemente saem nas ruas para levantar suas bandeiras “anti-aborto”, são as mesmas que, em qualquer conversa informal em família ou oportunidade de se expressar nas redes sociais, clamam pela diminuição da maioridade penal e comemoram com a morte diária de jovens marginais e delinquentes. A hipocrisia provinda da doutrina cristã, de um amor puro, falso e frágil, é responsável pelos princípios desta ideia, onde no primeiro caso leva as pessoas a serem “pró-vida”, mas no segundo, a defesa da vida dá lugar a um senso de justiça totalmente desprovido de lógica. Uma crença contraditória gerada por uma doutrina contraditória.
Este senso de justiça que faz com que essas pessoas não percebam que estão se apaixonando por mais uma contradição, se baseia na ideia de que, no caso do feto, estamos tratando de uma vida totalmente inocente, e no caso do adolescente, estamos tratando de um criminoso que deve ser punido da forma mais severa possível por sua pátria. Falta a estas pessoas, então, analisar um pouco melhor o que ocorreu neste intervalo de pouco mais de dez anos.

Nascer, ele nasceu. Mas o problema está longe de ser resolvido, de fato, ele está só começando. Não tem pai nem mãe, cresceu criado pela sua pátria. Sua pátria, por sua vez, não foi capaz de lhe proporcionar condições mínimas de sobrevivência: alimentação, segurança, saneamento básico e educação. Este problema endêmico do país, acontece há décadas, senão séculos, daí o motivo de ter sido abandonado por sua mãe biológica, que provavelmente nem sabia quem era o pai daquela criança, em um terreno baldio, ao nascer.

Para ele não tem leite, não tem pão, videogame, televisão, chuteira nem camisa de futebol. Uma das suas únicas companheiras é a fome, mas o que é que se pode fazer para conseguir alguns trocados, já que a mesma sociedade que defendeu seu nascimento é a primeira a se recusar a dar alguma oportunidade para um pivete, favelado? Até mesmo o mísero assistencialismo social promovido por alguns governos para diminuir esta triste desigualdade social é alvo de crítica destas pessoas detentoras da religião do amor e da caridade.

Com sorte, em vez de já leva-lo para o caminho mais fácil, mais acessível, do vício ou do tráfico de drogas, que mascara sua realidade por um tempo maior ou que lhe retorna uma quantia maior em dinheiro; seu destino pode leva-lo a vender bala, chiclete, ou fazer malabarismos nos semáforos em troca de algumas moedas. Mesmo tendo seguido por este caminho, a opção mais escolhida pelos defensores da vida é virar a cara ou fechar o vidro para estes vagabundos.
Sua estratégia não dá certo, e como é que haveria de dar? Os trocados ganhos de um carro ou outro não são suficientes para o alimentar, quem dirá para resolver os problemas de um futuro inteiro pela frente. Aos quatorze anos, cansado de apanhar, aquele feto crescido não vê outra alternativa, decide então que está na hora de bater. Agora ele é usuário de drogas, carrega uma pistola na mão e alguns delitos cometidos em nome do desespero causado por toda uma existência sem direção, orientação, base e estrutura.

É chegada a hora tão esperada pelos amantes de pensamentos contraditórios, de pedir a prisão ou de aplaudir a morte de mais um ladrãozinho miserável. É hora de clamar pela justiça! Uma justiça injusta, que culpa e pune mais uma vítima social, que deseja que a pátria elimine o indivíduo pelos erros cometidos pela própria pátria, a pátria que o pariu, que o criou, e que não o deu outra escolha.

O que falta a estas pessoas é perceber que, no fim das contas, demorou, mas a nossa pátria, longe de ser mãe gentil, longe de ser justa, longe de ser “pró-vida”, conseguiu realizar o aborto.

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